sábado, 4 de abril de 2020

Costume

Alimenta-se de tristeza
Posta no prato
E ao redor da mesa
E em qualquer das duas
Há uma máscara embelezadora
Alimenta-se de dor
No coração partido
Ou do último grito não ouvido
Algo barulhento
Acostumaram-se a não ouvir
Alimenta-se do sangue
Mal passado
Ou estruturado
Que fica bonito na foto
O no novo objeto comprado
Alimenta-se do consumo
Que te consome
E consome o mundo
Relações descartáveis
Do alimento
Ao sentimento
Teu gosto em primeiro lugar
Gera morte
Visível ou por dentro.

Treze

Quanto suas relações têm se tornado likes, seguidores, melhor ângulo da foto pra postar, frase feita pra acompanhar?
Quanto seus ouvidos não escutam mais a fala do outro ali a sua frente, enquanto a vontade é de estar deslizando o dedo sobre a tela em busca de mais uma informação que possa merecer seu dedo parado "segurando" a postagem por um tempo e um pensar se dá ou não aquele "gostei" ou alguma outra reação?
Quantas fotos você tira para depois eleger qual vai para o seu mural da fama? Quantas vezes vai conferir como ficou depois que postou? Quantas vezes atualiza pra ver quem interagiu e sente uma angústia pela demora do retorno ao investimento virtual?
Quantas pessoas te seguem e você não sabe quem são? Talvez tenham algum interesse em comum por isso o sistema os aproximou, mas não importa qual na verdade... me segue que tá bom...
Quantos silêncios em turma seguidos de "olha a foto" e aquela pose feliz como se a alegria estivesse no registro e não no momento?
Quantos rolares de dedos rápidos quando vê na rede o que não quer ver, buscando algo melhor pra aliviar aquela coisa ruim que quase te atingiu? Quantas postagens sobre os assuntos tristes da semana só pra estar por dentro, sem perceber que na verdade está bem por fora, compartilhando ideias superficiais ao invés de conhecimentos basais?
Como está sua vida fora daqui?
Como está sua vida quando você se encontra só, sem conversas virtuais, sem fotos com filtro, sem status pra desabafar, sem histórias para o dedo rolar?
Como você está se tudo isso acabar? Como você fica? Quem você tem? Que lembranças e memórias? De quem você sabe o aniversário, o contato, o endereço?
O que te faz sorrir e ser o sorriso o suficiente, sem precisar mostrá -lo no seu bussiness?
O que te faz querer mudar a si mesmo e até ao mundo, senão o assunto do momento?

Qual é o teu silêncio mais gostoso de ouvir? Desliga tudo por um tempo e pensa sobre.

O Sol tem um dos mais belos efeitos especiais - fica a dica.

A morte nos rodeia

A morte nos rodeia...
A morte do outro
A morte do eu
A morte do sonho
A morte da crença
A morte da inocência
A morte da paz
A morte da esperança
A morte do espontâneo
A morte da análise
A morte da ingenuidade
A morte do manifesto
A morte do movimento
A morte da troca
A morte do ser
A morte do planeta
A morte do tempo
E a que a morte dá lugar?
Quantas são matadas e quantas são morridas?
Qual morte dói menos?
Quantas mortes eu já não causei? Quantas eu já não morri?
E a vida, um sopro, morre ao poucos, nos fragmentos, em instantes, nas palavras ditas e não ditas, na eternidade de viver em busca de não morrer.
A gente vê morrer. A gente provoca o morrer. A gente mata e morre.
E quando a morte chega, a gente não esperava.

01-08-2019

sexta-feira, 3 de abril de 2020

O trato com as coisas da vida

Estavam uma senhora e sua neta, numa tarde singela, daqueles dias em que garoa, mas também faz sol, plantando mudas de Camapú.
Ao arar a terra, a senhora percebeu que sua ferramenta pressionava uma minhoca. Ela parou, soltou a ferramenta, e disse:
- Desculpe-me, desculpe-me! Não quis te machucar! Vou tomar mais cuidado.
- Nossa, vó, mas se for tomar cuidado nessa terra cheia de bichinhos, a senhora não termina o plantio hoje, não. - disse a neta.
- Assim é a vida, minha querida. São poucos os que notam o quanto devemos nos ater às nossas ações para não machucar ninguém...